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quarta-feira, 30 de novembro de 2016

QUANDO SOFREMOS DESNECESSARIAMENTE



Quando sofremos desnecessariamente - por Bel Cesar


Segundo os ensinamentos tibetanos, os cavalos dividem-­se em quatro categorias: os excelentes,  que  nem  precisam  apanhar  para  seguir  uma  ordem,  pois  já  se  movem com  a  sombra  do  chicote;  os  bons,  que  se  movem  com  uma  leve  chicotada;  os medíocres,  que  não  se  movem  enquanto  não  sentirem  a  dor  da  chicotada;  e finalmente,  os  péssimos,  que  esperam  a  dor  da  chicotada  penetrar  até  o  meio  dos ossos para então se moverem. Quem não se identifica com uma destas quatro categorias no modo como leva a vida para não  repetir  os mesmos  erros  que  causam  sofrimento?  Infelizmente, muitos  de nós sofrem além do necessário para aprender as lições da vida.
No  entanto,  se  quisermos  ser  excelentes  na  arte  de  superar  o  sofrimento, teremos que remover o preconceito de que somos péssimos. Pois, o importante é aprender a estar desperto. Estar desperto é aprender a habilidade de ser sincero consigo mesmo. Ser desperto é estar completo: libertar-­se da tendência de buscar a luz e negar a sombra. Jean­Yves Leloup em seu livro “Além da Luz e da sombra” (Ed. Vozes) escreve: “O que é preciso visar, sempre, é a libertação do contrário. Um dos sinais de maturidade em nossa vida ordinária é quando os  contrários aparecem  como  complementares. Nesta visão, não se necessitam opor anjos e demônios, mas se necessita ultrapassar uns e outros”.
No tradicional  livro  Bardo  Thodol  ­  O  Livro  Tibetano  dos  Mortos,  há  um importante ensinamento  sobre  como  superar  o  julgamento  de  ser  bom  ou  ruim  para  nos libertarmos  do  ciclo  morrer  e  renascer  em  sofrimento:  “Não  olhe  para  nenhum  dos pratos da balança. Vá além do seu karma, seja ele positivo ou negativo. Lembre-­se que a Clara Luz está além das conseqüências dos seus atos”.
Esse  ensinamento nos diz que  sofremos,  não porque  somos  ruins  e merecemos  ser punidos  com  as  “chicotadas”  da  vida,  mas  sim  porque  não  reconhecemos  a  causa verdadeira de nossa dor: estamos apegados ao sofrimento e precisamos aprender a ir além  dele.  Então,  pergunte-­se  agora,  com  toda  sinceridade:  “Será  que  eu  estou sofrendo desnecessariamente”?
A resposta será sim se nos dermos conta de que evitávamos reconhecer que estamos sofrendo neste mesmo instante. Evitamos  reconhecer o sofrimento para não ter que lidar com ele, mas é ao reconhecê-­lo que daremos os primeiros passos para superá­- lo.
A  percepção  da  dor  nos  poupa  de  sentirmos  mais  dor.  Mesmo  que  doa,  é  o  ato  de perceber  a  dor  que  faz  com  que  ela  se  dissolva.  É  sadio  sofrer,  mas  apenas  o necessário, o natural. O que não é sadio é negar a dor ou senti-­la sem querer aceitá-­ la. A  sinceridade  é  um  antivírus  para  as  interferências  interiores  e  exteriores.  Pois quando somos sinceros não damos rodeios. Sermos diretos faz com que nossa energia se torne bem focada para vermos com clareza o que se passa dentro e fora de nós. Assim, não necessitaremos mais nos iludir para  suportar uma situação difícil de  ser aceita.  A sinceridade  nos  dá  coragem  e  abertura  para  lidar  com  qualquer  situação, agradável ou desagradável. Desta forma, nos abrimos para o mundo. A falta de foco é um  modo  de  nos  protegermos  das  exigências  do  mundo,  de adiarmos  o  modo  de como será nossa participação nele.
Se  estivermos  sofrendo  pela  mesma  dor  há  muito  tempo,  já  será  hora  de  nos desapegarmos  dela.  Será  apenas  necessário  sentirmos  a  dor  enquanto  estivermos aprendendo com ela mais a nosso próprio respeito. Uma forma de ampliarmos a visão de nós mesmos.
A natureza da dor de uma emoção é  rápida, dura pouco. Se ela  continuar presente depois de um tempo prolongado é porque a estamos invocando em demasia. É melhor pararmos de invocar essa dor e abrirmo-­nos para o desconhecido, perguntando-­nos: “Como serei sem esta dor”? Muitas vezes, assim que nos sentimos alegres, passamos a sentir insegurança. Quem já  não  disse  para  si  mesmo  a frase,  “É  bom  demais  para  ser verdade”.  Eis  porque preferimos  a  dor:  sentimo- nos  infelizmente  seguros  com  ela.  Sofrer  pode  se tornar um  hábito!  Precisamos,  então,  treinar  para  reconhecer  o  nosso   bem estar.  Treinar para tomar decisões baseados na alegria. Quando  nos familiarizamos  com certa  dor, tornamo-­nos  dependentes  dela  para  nos sentirmos  seguros. Se  quisermos mudar, temos  que  começar  a fazer  algo  diferente em nosso dia-­a-­dia. O poder de decisão de sair de uma dor surge com a percepção de que estamos sofrendo desnecessariamente!
Delza  e Luciane  de  Mello  escreveram  um  livro,  “Ressaca  Emocional”  (Ed.  Novo Milênio),  sobre  o  motivo  porque  as  pessoas  sofrem  mais  que  o  necessário.  Elas escrevem:  “Ao  ressaquista falta prática, falta dedicar-­se a algo, falta encontrar algo que lhe toque o  coração, que o motive a crescer, a ser melhor e maior. Por que as pessoas  sofrem  mais  que  o  necessário?  Porque  elas têm  medo  de  assumir,  muitas vezes  para  si  mesmas,  o  que  elas  realmente  querem,  onde desejam  chegar.  As pessoas  sofrem porque  não  sabem  quem  são  e,  consequentemente,  do  que  são capazes.”
Muitas  vezes  encontramos  justificativas  nobres  para  não  mudar,  quando,  na realidade, estamos é precisando ser mais sinceros com nossa fraqueza. Sofremos  desnecessariamente  porque  somos  inflexíveis,  controladores  e  temos dificuldade para lidar com a imperfeição.
Quando algo que julgávamos  certo e estável desaparece,  como um  relacionamento, um  emprego  ou  nosso  estado  de  saúde,  sentimos  um  grande  vazio. 
Podemos  nos revoltar,  culpar  os  outros  ou  lamentar  nosso  destino,  mas  se não  quisermos  sofrer desnecessariamente  teremos  que  reconhecer  que  erramos  ao  esperar  que  as mudanças em nossa vida fossem previsíveis! É natural contar com um certo grau de previsibilidade para nos sentirmos seguros, mas precisamos aceitar o fato de que não podemos controlar os eventos da vida. Podemos treinar  para  nos  arriscarmos  a  escolher  o  desconhecido  quando  sentirmos curiosidade  por  nossa  própria  capacidade  de  atuação.  Por  exemplo,  nos  propondo: “Quero  só  ver  como  vou  me  oferecer  o  melhor  nesta  situação  desconhecida.  Estou curiosa para ver como não irei me abandonar desta vez”

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